O artigo 2o da Lei 13.058
diz: Na guarda compartilhada, o tempo de
convívio com os filhos deve ser dividido
de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as
condições fáticas e os interesses dos filhos.
O que temos notado na
prática é que esse ‘equilibrado’
está bastante desequilibrado. Alguns genitores conseguem na teoria a Guarda
compartilhada, mas nas sentenças o que vemos é praticamente uma guarda
unilateral favorável a uma das partes.
Existem pais que conseguiram
‘permissão’ para ficarem com seus filhos duas horas por semana, outros, um
final de semana por quinzena. À isso chamamos de equilíbrio? É mesmo necessário
‘concessão’ de horas? Não seria mais
fácil e menos litigioso que o judiciário apenas mantivesse o direito inerente aos genitores de livre acesso e convivência
com a prole?
É amplamente conhecido por
todos que hoje em dia os ‘filhos do divórcio’ após separação dos pais, ficam
sob os cuidados dos novos parceiro(a)s de seus pais ou mães, passando mais
tempo com madrastas e padrastos que com o pai ou mãe biológicos e estreitam vínculos amorosos afetivos com
estes em detrimento dos outros.
Por
esse motivo se faz urgente e necessário a ampliação dos horários de convivência
para tempo equilibrado. A criança tem direito de receber valores
éticos, morais, religiosos de ambos os genitores. Quanto mais tempo a criança passa
com um cuidador, maior serão os laços identificatórios que estabelecerá com
este, sendo assim, o padrasto ou madrasta estabelecerá mais normas, regras e
limites sociais que o genitor não guardião.
Com horário de convivo
equilibrado quem não detém a guarda poderá representar figura atuante e
participante na educação do filho.
Com o desenvolvimento das
pesquisas em neurociências, cada vez mais vem se discutindo a importância das
relações. Somos seres sociais, dependentes desde o nascimento de outro
indivíduo para nossa sobrevivência. Nosso cérebro é moldado a partir das
interações com outro, em que fazemos conexões e redes para podermos processar
informações. Entretanto, esses estudos apenas estão confirmando aquilo que já
vem sendo discutido: a necessidade não só de olharmos as relações, mas também como elas são construídas desde
a infância.
Infelizmente existe ainda
muita confusão e os casais separados misturam ainda conjugalidade com
parentalidade e após separação os indivíduos estão perdendo os laços amorosos
afetivos com os filhos.
A criança sofre com as separações das figuras de apego principal e
essa perda não seria compensada por figuras subsidiárias (madrastas e
padrastos, por exemplo).
As principais rupturas da
relação mãe/pai/criança são os precursores da psicopatologia na criança, ou
seja, sua relação com a mãe ou pai é de grande importância, assim como para o
seu funcionamento futuro.
Não estamos aqui querendo
falar mal dos pais e mães substitutos, muito pelo contrário, já que o papel do cuidador implica em permanecer disponível e responsivo à
criança, mas deveria intervir apenas algumas situações, por exemplo, quando
ela se encontrasse em situação de perigo. A saúde mental pode ser influenciada
por como essa relação com o cuidador é moldada. A criança deve ter seu direito
de convivência com pai e mãe biológicos garantidos, pois, à priori, eles devem
ser a figura de apego principal.
É para o pai e mãe que a
criança deve se dirigir quando precisar de suporte e proteção.
Embora madrastas e padrastos
estejam próximos fisicamente da criança, é importante
que ela saiba que os pais e mães biológicos lhe darão proteção e suporte quando
necessário. Estes devem ser o ‘porto seguro’ para os filhos, sempre que
necessário.
A
ligação de apego é definida pela ligação emocional existente entre o indivíduo
e sua figura de apego (figura específica e não substituível), criando-se uma
relação emocional significativa. Além disso, o indivíduo tem o desejo de
manter-se próximo à pessoa, causando sofrimento quando há separação. (Rholes
& Simpson)
Por esse motivo me preocupa a
distribuição desigual de horários de convivência visto nas sentenças judiciais.
Filhos
do divórcio são ‘obrigados’ a uma
abrupta mudança da figura de apego. Necessitam construir relações de apego
com outras pessoas que não seus pais. Muitas vezes essas relações de apego se tornam mais forte com padrastos e
madrastas que com os próprios pais que se tornam seres ‘apagados’, ‘sem
expressão’, ‘ocos’. Em casos extremos
existe um total desligamento dos pais biológicos.
Com
‘visitas’ (convivência) espaçadas as crianças em situação de estresse ou perigo
irão buscar ajuda com pessoas de confiança e conhecidas e estas serão os
padrastos e madrastas, o que acaba chateando o genitor não guardião e dando à
criança uma falsa sensação de abandono por parte do familiar ausente.
Inconscientemente a criança começa a desenvolver ‘angustia’ e ‘raiva’ pela
separação.
“Não havia mais espaço, dado ao nosso
estágio civilizatório, para que o contato paterno-filial ou materno-filial
permanecesse de forma espaçada e superficial. Os processos judiciais
comprovaram que as visitas esquadrinhadas, com dia e hora determinados,
provocavam fortes angústias em pais e filhos, durante os encontros, e também
nos momentos anteriores e posteriores à sua ocorrência, sempre marcada por
separações e espaços dilatados entre os reencontros”. (Angela Gimenez, magistrada, titular da
Primeira Vara Especializada em Família e Sucessões de Cuiabá e Presidente do
IBDFAM-MT).
Não
é qualquer separação que causa mazelas na personalidade, mas sim aquelas que
causam privação à criança e uma
criança não deve ser privada de conviver com ambos genitores em número de horas
iguais ou equilibradas.
Na
clínica tenho percebido claramente que crianças que vivem a maior parte do
tempo com madrastas e padrastos têm grande dificuldade de voltarem a ter a mãe
ou pai como figuras identificatórias, de respeito ou de limites.
É bastante
comum reclamações dos genitores que não detêm a guarda, de que a criança não o
obedece, e que a cada encontro percebem que estão perdendo o poder familiar.
Algumas crianças chegam a pedir permissão para madrasta para ir a tal lugar com
a mãe. Não postam fotos nas redes sociais com a genitora, mas com a nova esposa
do pai sim (meninas que estão sob guarda paterna). As conversas no whatsapp
também são constantes. A criança sente necessidade de fazer um ‘pacto de
lealdade’ com a madrasta, pois, ela se tornou a cuidadora. Informam até o que a
mãe fez para o almoço, lanche o jantar.
Os
meninos sob guarda materna que vivem com padrastos se identificam com estes.
Muitas vezes recusam que pai os levem ao futebol, judô ou inglês. No dia dos
pais é para o padrasto que querem dar o presente feito na escolinha.
Tudo
isso acontece, porque, o judiciário não tem aplicado a lei da Guarda
Compartilhada na íntegra e o pai ‘visitante’ se torna de fato uma visita na vida
do filho, se torna um estranho.
Com
o casa – descasa da modernidade, como ficarão essas crianças se mamãe ou papai
se separarem da madrasta ou padrasto, se eles perderam o vínculo com os pais
biológicos? Terão que entrar com Ações de abandono afetivo contra os padrastos
e madrastas?
Pai
é pai. Mãe é mãe e essa situação não muda com a separação. Sem dúvida a ajuda
dos padrastos e madrastas são muito bem vindos, mas é necessário e urgente que
se restabeleçam os vínculos amorosos afetivos com os familiares. Como fazer
isso? Aumentar o tempo de convívio entre pais e filhos já é um bom começo.
Mãe
incentive seu filho a conviver com pai. Pai, incentive o filho a conviver com a
mãe. Com a separação a família não acabou, apenas se transformou.
Texto esclarecedor dra. Liliane. Muito obrigado!
ResponderExcluirMuito bem, tenho comigo que a ambos os genitores devem permitir o desenvolvimento natural do filho em comum, lhe dando somente instruções moral, regras de convivência social e muito amor, muito amor mesmo e respeito a infância e a individualidade da criança, bem como compreender suas emoções e escolhas, visto que é um ser humano distinto, com sentimentos próprios, e sua supressão pode acarretar em danos psicológicos irreparáveis, como foi o caso do meu irmão que cometeu suicídio. Dra. excelente trabalho, conscientizar é a melhor forma de construir uma sociedade emocionalmente saudável. Salaam Aleikum
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