segunda-feira, 24 de julho de 2023

 

Entrevista Prévia ao Depoimento Especial no Estado de São Paulo: Seus desdobramentos e graves consequências para os vulneráveis e para os acusados.

 

  Temos que pontuar que a Entrevista Prévia, bem como, o relatório dela decorrente, não estão previstos na Lei 13.431 de 04 de abril de 2017[1], sendo um ato utilizado exclusivamente pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Protocolo CIJ 00066030/11 - DJE 30/05/2011[2]). Assim, é premente considerar que este procedimento, a Entrevista Prévia, ultrapassa os limites que seria o de verificar o estado emocional e cognitivo do (a) depoente e informar se o (a) entrevistado (a) tem ou não condições para depor. É importante salientar que outras unidades da Federação não aderiram ao procedimento que mais se assemelha a um Estudo Psicológico com a exclusão do acusado. 

O objetivo de tal entrevista, embora não prevista no dispositivo legal supracitado, deveria se restringir a avaliar se a criança ou adolescente tem condições e se aceita participar do Depoimento Especial, bem como, conforme a Portaria Nº 9.796/2019[3] − que versa sobre as atribuições dos setores técnicos do Tribunal de Justiça de São Paulo −, avaliar “a pertinência da participação da criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência em Depoimento Especial, bem como sobre sua proteção integral”. Logo, como se observa, os seus objetivos diferem dos pertinentes ao Estudo Psicossocial. 

Embora sem previsão na Lei 13.431 de 04 de abril de 2017, a Entrevista Prévia é um “ato integrante” do comunicado Conjunto nº. 1948/2018[4], adotado, como dissemos, única e exclusivamente pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. A finalidade da conversa difere (ou deveria diferir) completamente de qualquer entrevista comumente realizada para estudo psicossocial e deve (deveria) se restringir, unicamente, a avaliar o descrito no parágrafo anterior. Desta forma, a meta do encontro antecipado com a pretensa vítima seria a de observar se ela está disposta e têm condições emocionais e cognitivas para ser ouvida. Assim sendo, os laudos NÃO previstos em lei, mas apresentados a pedido do juízo, deveriam se restringir a informar se a (o) entrevistada (o) denotou ter desenvolvimento geral compatível com a idade cronológica, se demonstrou ter capacidade narrativa e orientação temporal-espacial, se necessitava de algum tipo de atendimento especial, como intérprete de idiomas e ou de libras e se havia algum elemento que contraindicasse o depoimento, como por exemplo, a recusa do entrevistado. 

Desse modo, a entrevista teria o objetivo de: 

a)              Informar ao juízo se a criança e ou a (o) adolescente tem condição emocional e cognitiva para “depor”, não adentrando no tema da denúncia, questionamentos de fatos, bem como da leitura de peças processuais;

b)              Informar e esclarecer para a criança e ou para a (o) adolescente detalhes do procedimento, metodologia e regras do Depoimento Especial; 

c)               Esclarecer os objetivos da convocação, que dentre outros seria o de explicar as modalidades de depoimento tradicional e especial; 

d)              Assegurar com palavras adequadas à faixa etária da criança e ou da (o) adolescente, que lhe é garantido o direito de não realizar o depoimento; 

e)               Mostrar o local em que será colhido o depoimento;

 f)                Alertar que a audiência é gravada e transmitida em outra sala e que profissionais ligados ao sistema de justiça assistirão o ato em tempo real; 

g)        E em caso de concordância com o depoimento na modalidade “Especial”, a (o) técnica (o) deve informar ao magistrado se há ou não alguma contraindicação para a oitiva. 

 Contudo, na prática, o laudo posteriormente emitido pela equipe técnica tem ultrapassado, de forma recorrente, os limites da verificação do estado emocional e cognitivo   dos depoentes e do repasse de informações aos mesmos; com efeito, esses laudos se assemelham mais ao Estudo Psicológico com a exclusão do acusado. Talvez, por isso, as outras unidades da Federação não tenham aderido a esse procedimento adotado no Estado de São Paulo.

 A Entrevista Prévia que deveria ser feita minutos antes da oitiva da criança e ou da (o) adolescente, tem sido agendada com meses de antecedência (inclusive em alguns casos com visita da equipe técnica na residência da suposta vítima). Na data do encontro, via de regra, a criança e ou a (o) adolescente é levada (o) ao fórum pelo adulto que fez a acusação e é entrevistada (o) juntamente com ele. O grande problema, como supradito, é que os técnicos extrapolam as explicações sobre os procedimentos e a averiguação da capacidade da criança e ou da (o) adolescente em compreender as instruções, estar disposta a participar e ter capacidade cognitiva e psicológica para “depor”. Contudo, a “Entrevista” transforma-se num verdadeiro Estudo Psicossocial com a oitiva dos familiares “denunciantes”, excluindo qualquer outra fonte que possa contextualizar o que estava acontecendo no universo familiar e intrafamiliar no momento da acusação, como divórcio causado pela descoberta de relacionamento extraconjugal, novo casamento, nova gravidez, divergências sobre valores de alimentos, da guarda e da regulamentação da convivência, discordâncias com a partilha dos bens, mudanças de cidade, entre outros fatores.

 Profissionais do Direito, da Psicologia e do Serviço Social e seus respectivos Órgãos de Classe deveriam questionar qual impacto jurídico, psicológico e social essa abordagem prévia ao Depoimento Especial, como ocorre no Estado de São Paulo, têm sobre as tomadas de decisões. Ora, é imprescindível que se analise os fatores negativos decorrentes desse procedimento que contribui, de forma inconteste, para injustiças, adoecimentos físicos, emocionais e mentais, perda de emprego, evasão escolar, vícios em drogas lícitas e ilícitas e rupturas familiares que ocorrem, muitas vezes, de forma irreversíveis. É importante salientar que se depreende, dos relatórios, que as entrevistas são feitas na presença do adulto dito “protetor” e adentram “no mérito”, sem o aprofundamento necessário para tais análises e conclusões e, principalmente, sem inclusão da parte contrária no referido “Estudo”.

Sobre tal prática cabe uma urgente discussão interdisciplinar a fim de avaliar os efeitos negativos que esse procedimento não previsto em lei pode trazer para, não só o acusado, mas principalmente para a criança/adolescente, que se torna o principal “responsável” por fazer aquela “PROVA”[5] que decidirá o seu futuro e do (a) genitor (a), padrasto, madrasta, tio (a) e avós acusados.

Indagamos: qual o grau de confiabilidade dos resultados de um estudo quando a parte contrária não foi incluída na dinâmica avaliativa e ou sequer foi entrevistada para que pudesse contar o seu lado da história?

 O “ato integrante” do comunicado Conjunto nº. 1948/2018[6], é claro ao dispor que:

“As entrevistas preliminares de avaliação da família e da criança/do adolescente ficam a cargo dos profissionais da equipe técnica;”. (Destacamos, porque pai, mãe, tios, avós acusados, também fazem parte da família, logo, deveriam fazer parte da avaliação!)

Apesar do Conselho Federal de Psicologia dar autonomia teórica ao profissional experiente para que ele escolha a metodologia que utilizará na demanda, também dita que: 

“O procedimento adotado deve ser pertinente para avaliar a complexidade do que está sendo demandado.”[7] (Resolução 006/2019)

Ora, se o objetivo da entrevista fosse realmente o de esclarecer para a (o) depoente, a metodologia de cada uma das modalidades de depoimentos:  Tradicional e Especial – dentro os quais elas têm o direito de escolher realizar ou não; e se há alguma contraindicação para a oitiva da criança e ou da (o) adolescente e se os entrevistadores deveriam se restringir a descrever a capacidade cognitiva e orientação temporal-espacial das crianças e ou das (dos) adolescentes e, se reúnem condições e se manifestavam concordância em realizarem o depoimento na modalidade especial.  Questionamos, então, quais perguntas são feitas às (aos) entrevistadas (os) que fazem os Entrevistadores chegarem a conclusões como:

“A criança e ou ao adolescente em tela não apresenta em suas falas indícios de ideação fantasiosa ou de narrativa inventiva com escopo manipulador, bem como não se observou que há indicativos de instrumentação (por terceiro) da vontade ou da narrativa da/o entrevistada.”

Conclusões como esta devem ser decorrentes de amplo estudo psicossocial, que devem contar com Escalas, Inventários, Atividades Gráficas, Testes Projetivos e de Personalidade, regulamentados pelo SATEPSI, Resolução 009/2018[8] do Conselho Federal de Psicologia, consultas a fontes complementares, como escola, familiares estendidos e profissionais de saúde física e mental que porventura atendam as partes.  Conclusões parciais e precipitadas sem o uso de nenhum instrumento avaliativo pode conduzir o juízo destinatário do documento a erros graves. 

Entendemos que a distorção do objetivo da Entrevista Prévia, e é importante relembrar, que existe apenas no mundo jurídico do Estado de São Paulo, pode levar a perder o objetivo do Depoimento Especial (que é a livre narrativa do vulnerável), visto que a violência Institucional perpetrada no ato de entrevistar a criança, juntamente com o adulto que mantém sua custódia física, pode irremediavelmente prejudicar a espontaneidade da criança e ou da (o) adolescente.

É certo que não há qualquer previsão legal de que a pretensa vítima e seu núcleo familiar estão proibidos de relatar espontaneamente à equipe técnica judicial aspectos de suas vidas e, se o caso, sobre os fatos relativos ao eventual abuso sexual ocorrido; mas é certo também, que não há na legislação a proibição de que o acusado seja ouvido pelas mesmas profissionais e relate aspectos de sua vida e o possível fator motivante para tal hedionda acusação, afinal o Artigo 5º da Constituição Federal dispõe que: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.  Não bastasse, o Artigo 11º, ressalta que: Todos são inocentes até que se prove o contrário”. Mas num ato em que se exclui o acusado, não permite que a defesa exerça o contraditório e no qual a palavra da sedizente vítima tem valor superior ao da verdade, essa premissa constitucional é invertida: o réu é tratado como CULPADO, inclusive pela equipe técnica, até que prove o contrário.  

 

Entendemos que a ausência da (o) acusada (o) nas Entrevistas Prévias prejudica a Defesa, mas principalmente, prejudica, talvez, de modo irremediável, a criança e ou adolescente que precisa mentir em juízo e ser o responsável pela manutenção do afastamento e do possível encarceramento de pai, mãe, avós, tios acusados.

Glicia Brazil (2018)[9] leciona que mormente, as declarações literais da criança podem estar eivadas do vício de manifestação de vontade. Assim sendo, 

“o avaliador tem de ter o cuidado de buscar o contexto em que a declaração é emitida. E isso só é possível se o profissional que avalia a criança tem a possibilidade de entender a dinâmica familiar, incluindo toda a família na avaliação. Não é crível que um profissional que avalie apenas a criança, sem incluir sua família, se valha do seu discurso literal para concluir pelo afastamento de quem quer que seja, pois se assim fosse, inócuo seria o instrumento da interpretação [...]” 

A Entrevista Prévia do modo que é feita no Estado de São Paulo, se revela num modelo de exclusão social e preconceito contra a (o) acusada (o), mas pior que ela, e seus relatórios posteriores, são os Laudos decorrentes da Produção Antecipada de Provas (Depoimento Especial). Assim, diariamente, sem qualquer previsão legal, psicólogos e técnicos do Serviço Social firmam Laudos com visões parciais, após a oitiva da criança em solo forense.

Esse tipo de LAUDO unilateral, posterior à Entrevista e após o DEPOIMENTO, no lugar de proteger a criança é um ato de VIOLÊNCIA contra ela, posto que o PROTAGONISMO dado a criança/adolescente pode ter efeito contrário, deixando-a em total estado de desproteção, se não consideradas todas as variáveis que podem ter levado a uma acusação inverídica assacada por um de seus parentes. Além disso, conteúdos laudados podem de forma, quiçá, irremediável contaminar e induzir os operadores do Direito a graves erros de interpretação, que podem condenar pessoas inocentes. 

 Cabe pontuar que em casos de LITÍGIO FAMILIAR como recomenda a renomada médica e psicanalista Françoise Dolto (1989)[10]:

A criança precisa, principalmente, de um interlocutor que não a leve tão a sério e que compreenda o clima afetivo do qual emanam suas afirmações e sua “ação”. O que a criança diz nem sempre deve ser tomado à primeira vista.

             Talvez pela premissa acima, o legislador tenha tido o cuidado de sinalizar na Lei nº 12.318 de 26 de agosto de 2010[11], em seu Artigo 5o que:

Havendo indício da prática de ato de alienação parental, em ação autônoma ou incidental, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou biopsicossocial. 

 

§ 1o O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial, conforme o caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor. 

 

E que, § 2o “A perícia será realizada por profissional ou equipe multidisciplinar habilitados, exigido, em qualquer caso, aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar atos de alienação parental.

No entanto, nas ações criminais não se tem esse cuidado. Glicia Brazil (2018)[12], questiona

“os equívocos a que chegou o sistema de justiça ao colocar a criança e adolescente numa posição de protagonista do Sistema de Garantia de Direitos, onde a palavra da criança é tida como ‘a verdade judicial’ (grifado) e em nome de respeito à dignidade da criança e adolescente enquanto uma pessoa de direitos, decisões judiciais são tomadas equivocadamente quando a palavra da criança passa a ter o poder de decisão de um processo judicial. 

Critica-se o uso que se faz desse direito da criança e do adolescente pelos operadores de direito, que muitas vezes confundem direito da oportunidade de ser ouvido e de expressar opiniões com o direito/dever de decidir. Quando a criança e/ou os operadores passam a entender que é a criança quem decide o processo, tomando-se em conta a declaração literal presumidamente ausente de vicio de manifestação, se está diante de um sistema que deveria ser garantidor e protetor da criança, resguardando-a das pressões e da responsabilidade das decisões, para um sistema que passou a não mais cumprir o seu papel de resguardar e perverteu a lógica da proteção. [...] As hipóteses de alienação parental são igualmente variáveis a serem consideradas, onde a criança ou adolescente são vítimas de pressões psicológicas geradas por pressões externas (interferência dos pais) e internas (crenças, fantasias). Em casos tais, deve-se ter muita cautela na apreciação do discurso da criança, porque geralmente a declaração literal está eivada do vício da coação emocional. A criança pode chegar a mentir e a inventar, por se sentir ameaçada gravemente de perder a própria vida ou a vida de alguém que esteja umbilicalmente ligada à criança por vínculo emocional patológico - a chamada simbiose emocional, onde criança e adulto sentem como se fossem uma só pessoa, a criança passa a ficar a serviço do desejo do adulto. Em trabalho anteriormente publicado[13] sobre a escuta de criança e adolescente em situações de revinculação emocional realizado por equipe do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, destacou-se a necessidade de uma escuta atenta, porque: Há muito tempo, a experiência com crianças revela que o mito de que criança não mente está ultrapassado, em que pese a resistência dos adultos em crer no que acabamos de afirmar. Os pais que alienam seus filhos também se utilizam desse argumento, insistindo que seus filhos não são capazes de mentir e se indignando com os técnicos que avaliam a criança e informam o fato: A senhora está dizendo que meu filho é um mentiroso? Crianças mentem, inventam, fantasiam, criam histórias- para se defender de pressões psicológicas e/ou porque estão doentes psicologicamente. A doutrina especializada indica que quando se trata de avaliar uma criança, não se deve levá-la tão a sério. Isso significa que não se deve tomar como realidade, num primeiro momento, as suas declarações literais. O avaliador tem de ter o cuidado de buscar o contexto em que a declaração é emitida. E isso só é possível se o profissional que avalia a criança tem a possibilidade de entender a dinâmica familiar, incluindo toda a família na avaliação. Não é crível que um profissional que avalie apenas a criança, sem incluir sua família, se valha do seu discurso literal para concluir pelo afastamento de quem quer que seja, pois se assim fosse, inócuo seria o instrumento da interpretação. [...] 

Quando o Estado-Juiz não coloca a criança/adolescente no lugar de criança/adolescente, em respeito à sua infância/juventude “o martelo da justiça” fica nas mãos deles e essa responsabilidade se torna um fardo tão pesado que na maioria das vezes a criança/adolescente não consegue suportar: cenário perfeito para o surgimento de problemas comportamentais, emocionais e psicossomáticos.

 Como ressaltamos anteriormente, quase nunca a vontade declarada pela criança/adolescente está de acordo com a sua vontade íntima e nem com o que é melhor para ela...” 

“É insustentável pensar que, diante de tantas mudanças nos campos social, cultural, político, etc., o psicólogo ainda se veja como o detentor do poder-saber capaz de excluir a presença do acusado do processo de avaliação de abuso sexual. Trata-se, a nosso ver, de uma prática incompatível com os princípios éticos, ou seja, uma prática de exclusão e de suposição da culpa que desconsidera as implicações e os efeitos provocados na vida dos sujeitos envolvidos em processos judiciais. É preciso estar atento para o fato de que os conhecimentos teóricos, técnicos e os da própria experiência de trabalho ou de vida JAMAIS SUBSTITUEM A HISTÓRIA DAS PESSOAS ENVOLVIDAS, sendo “apenas um outro ponto de vista” que merece ser analisado. (YEHIA, 2002, p.119)”[14] (Destacamos)

Por todo o exposto, a justificativa de que as Entrevistas Prévias como feitas no Estado de São Paulo, os Laudos decorrentes das mesmas e os Relatórios posteriores ao Depoimento Especial, com o discurso de que são escritos para “melhor compreender o contexto sociofamiliar da criança e ou do/a adolescente” é uma falácia. Ora, se não se trata de um Estudo Psicológico ou Psicossocial, não cabem análises e conclusões, por parte da Psicologia ou do Serviço Social, “do mérito” (se há ou não indícios de que a criança e ou adolescente tenha sido vítima de violência/molestação/importunação sexual, atos libidinosos). 

Os Entrevistadores, de modo geral, assim justificam a emissão de seus Laudos:

O presente estudo foi elaborado atendendo à determinação judicial de folhas tais dos autos em epígrafe, de acordo com os pressupostos do programa de “Aprimoramento de atendimento interinstitucional de crianças e adolescentes vítimas de violência, especialmente sexual”, implementado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em consonância com a recomendação nº. 33 do Conselho Nacional de Justiça e com a lei 13.431, de 04 de abril de 2017.

         A Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas - ABRACRIM[15], a Ordem dos Advogados do Estado de São Paulo, os Conselhos Federais de Psicologia e Serviço Social, o Ministério Público e todos nós, como sociedade, precisamos nos posicionar frente a essas posturas parciais que ferem de morte a justiça, pois, por si só, são práticas injustas, excludentes, preconceituosas e não previstas nos Códigos de Processo Civil e ou Penal.

        Na Declaração Universal de Direitos Humanos, em seu artigo XI, é consagrado um relevantíssimo valor internacional: a presunção de inocência. 

Ipsis litteris: todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. 

No mesmo sentido, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos de 1950, em seu artigo 6º, item 2, dispõe que qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.

 

O Pacto de São José da Costa Rica, igualmente, em seu artigo 8.2, prevê que: Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas (...).

 

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, por sua vez, em seu artigo , inciso LVII, elencou a presunção de inocência, também chamada de preceito da não culpabilidade, como um valor essencial e um direito fundamental, protegido a título de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, inciso IV) e, consectariamente, em tese, insuprimível do ordenamento jurídico pátrio. [...]

 

Inclusive, o in dubio pro reo está contemplado no Estatuto de Roma, que, no artigo 66, item 1, consagra a presunção de inocência “Toda a pessoa se presume inocente até prova da sua culpa perante o Tribunal, de acordo com o direito aplicável”[16]

 

         Ao que consta, somente no Estado de São Paulo, o famoso brocardo in dubio pro reo não vale. Por aqui, “na dúvida, NÃO se deve decidir em favor do réu”, não se deve nem entrevistá-lo”. Não estamos negando a existência de famílias incestuosas e, muito menos, que crianças e adolescentes não sejam diariamente vítimas de violências, explorações, molestações e assédios sexuais em todo o mundo. O que queremos alertar é que acusações feitas após divórcios, e ou rupturas amorosas, devem ser analisadas e contextualizadas de modo imparcial e com o máximo rigor técnico a fim de evitar mais injustiças, além das que já temos ora contra um, ora contra o outro genitor; mas sempre, sem dúvidas, todas as vezes, contra as crianças/adolescentes envolvidas em contextos litigiosos.  

 

 



[1] Disponível no site: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13431.htm Acessado dia 13 de jul. 2023

[5] Quase sempre a pedido de quem acusa.

[8]  RESOLUÇÃO 009/2018. Disponível no site: <http://satepsi.cfp.org.br/docs/Resolu%C3%A7%C3%A3o-CFP-n%C2%BA-09-2018-com-anexo.pdf>. Acessado dia 13 de jul. 2023

[9] BRAZIL, Glicia Barbosa de Mattos. Famílias e Sucessões: polêmicas, tendências e inovações. Escuta de criança e adolescente e prova da verdade judicial. Coordenado por Rodrigo da Cunha Pereira e Maria Berenice Dias. Belo Horizonte: IBDFAM, 2018, p. 503-518.

[10] DOLTO, Françoise. Quando os pais se separam. Tradução: Vera Ribeiro. 1.ed.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1989, p 143.

[11] Disponível no site: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm Acessado dia 13 de jul. 2023

[12] BRAZIL, Glicia Barbosa de Mattos. Famílias e Sucessões: polêmicas, tendências e inovações. Escuta de criança e adolescente e prova da verdade judicial. Coordenado por por Rodrigo da Cunha Pereira e Maria Berenice Dias. Belo Horizonte: IBDFAM, 2018, p. 503-518.

[13] BRAZIL, GIicia Barbosa de Mattos. A reconstrução dos vínculos afetivos pelo Poder Judiciário. Revista Brasileira de Direito de Família e Sucessões, Ed. Magister, IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família), n. 13, janeiro de 2010, fls. 43-57.

[14] AMENDOLA. Márcia. Analisando e (des)construindo conceitos: pensando as falsas denúncias de abuso sexual. Disponível no site: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revispsi/article/view/9145/7520 Acessado dia 14 de jul. 2023

[16] KUHN. Guilherme. O princípio in dubio pro reo pertence ao Júri brasileiro?

 Disponível no site: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-principio-in-dubio-pro-reo-pertence-ao-juri-brasileiro/657538909 Acessado dia 14 de jul. 2023