Não são raras as confusões entre as atribuições do psicólogo
jurídico e do psicólogo terapeuta, o que acaba muitas vezes, culminando com crescentes,
desnecessárias e infundadas denúncias no Conselho Federal de Psicologia.
“Trabalhar com a
Psicologia Jurídica implica, entre outros, trabalhar com o que é legal. O norte
do que é legal, em nosso sistema jurídico é o que vem estabelecido na
Constituição Federal.
Entre a Psicologia
Clínica e Jurídica, pelo menos duas diferenças devem ser sempre destacadas, a
demanda e a função primeira de cada uma:
1-
A
demanda, na Psicologia Jurídica, pelo menos de entrada, não é do periciado, mas
de um órgão Legal (Judiciário, Ministério Público, etc.). Na Psicologia Clínica, a demanda é do cliente; e
2-
A função primeira da Psicologia Clínica é
a psicoterapia – um tratamento psicológico com demanda e
regras próprias. E da Psicologia Jurídica, é a perícia – uma
investigação psicológica.
Com relação ao item 2, as diferenças são
gritantes; e quando confundidas, tendem a levar o trabalho ao fracasso ou a um
resvalo na ética.”[1]
Na clínica o vínculo e o sigilo se dá entre
o cliente e o terapeuta, diferentemente da psicologia jurídica onde o
sigilo é do processo e não são
poucos que o manuseiam. A perícia tem data para terminar, a terapia não.
“A Psicologia Jurídica é a disciplina que
trata da atuação do psicólogo no campo do Direito. Em última instância trata das relações do sujeito com a lei.”[2]
“Podemos
pensar que a relação da psicologia com o Direito é consequência do
comportamento das pessoas em relação à lei.”[3]
Podemos definir a psicologia jurídica como a ciência que vem
estabelecer e descrever relações entre os processos mentais e comportamentos do
homem em relação ao que é legal, que é justo, que está dentro do Direito.
Muitas vezes o psicólogo jurídico é contratado para emitir
um PARECER e cabe ao psicólogo Parecerista emitir opinião técnica objetiva sobre
a demanda processual após fazer a análise dos autos sob a perspectiva
psicológica.
O Parecerista, o Perito ou o Assistente Técnico NÃO são responsáveis pelo
tratamento psicológico das partes, sendo essa função de competência do psicólogo clínico.
A Resolução 008/2010[4] do Conselho Federal de
Psicologia em seu capítulo II, artigos 7º e 8º resolve que:
“Em seu relatório, o
psicólogo perito apresentará indicativos pertinentes à sua investigação que
possam diretamente subsidiar o Juiz na solicitação realizada, reconhecendo os
limites legais de sua atuação profissional, sem adentrar nas decisões, que são
exclusivas às atribuições dos magistrados.”
“O assistente técnico,
profissional capacitado para questionar tecnicamente a análise e as conclusões
realizadas pelo psicólogo perito, restringirá sua análise ao estudo psicológico
resultante da perícia, elaborando quesitos que venham a esclarecer pontos não
contemplados ou contraditórios, identificados a partir de criteriosa análise.”
Ou seja, não cabe aos psicólogos jurídicos tratarem
terapeuticamente as partes envolvidas na demanda judicial. Cabe somente
emitirem pareceres “técnicos com
conhecimentos específicos e científicos relacionados à área de atuação.”[5]
O Psicólogo Clínico “Atua
na área específica da saúde, colaborando para a compreensão dos processos intra
e interpessoais, utilizando enfoque
preventivo ou curativo, isoladamente ou em equipe multiprofissional em
instituições formais e informais. Realiza pesquisa, diagnóstico, acompanhamento psicológico, e
intervenção psicoterápica individual ou em grupo, através de diferentes
abordagens teóricas.
Descrição de ocupação
(detalhamento das atribuições):
1 – Realiza avaliação
e diagnóstico psicológicos de entrevistas, observação, testes e dinâmica de
grupo, com vistas à prevenção e
tratamento de problemas psíquicos.
2 – Realiza atendimento psicoterapêutico
individual ou em grupo, adequado às diversas faixas etárias, em
instituições de prestação de serviços de saúde, em consultórios particulares e em instituições formais e informais.
3 – Realiza
atendimento familiar e/ou de casal para orientação ou acompanhamento
psicoterapêutico.
4 – Realiza atendimento a crianças com problemas emocionais, psicomotores e
psicopedagógico.
(...)
O Psicólogo Jurídico atua
no âmbito da Justiça (...)
Detalhamento das
Atribuições:
(...) 5- Atua como perito judicial nas varas cíveis, criminais, justiça do
trabalho, da família, da criança e do
adolescente, elaborando laudos, pareceres e perícias a serem anexados aos
processos.
6- Elabora petições que serão juntadas ao
processo, sempre que solicitar alguma providência, ou haja necessidade de
comunicar-se com o juiz, durante a execução da perícia.
7-
Eventualmente participa de audiência para
esclarecer aspectos técnicos em Psicologia que possam necessitar de maiores
informações a leigos ou leitores do trabalho pericial psicológico (juízes, curadores e advogados).
8-
Elabora laudos, relatórios e pareceres,
colaborando não só com a ordem jurídica como com o indivíduo envolvido com a
Justiça, através da avaliação das personalidade destes e fornecendo subsídios
ao processo judicial quando solicitado por uma autoridade competente, podendo
utilizar-se de consulta aos processos e coletar dados considerar necessários a
elaboração do estudo psicológico.
13- Assessora
autoridades judiciais no encaminhamento à terapias psicológicas, quando
necessário.”[6]
Esclarecidas
as atribuições profissionais do psicólogo clínico e do psicólogo jurídico, se
faz mister relembrar que NÃO procede
a denúncia do psicólogo jurídico junto ao conselho de classe por ele não ter
tratado terapeuticamente os adultos, crianças ou adolescentes envolvidos.
Do mesmo modo, se faz mister esclarecer que a atuação do
psicólogo parecerista está respaldada pela legislação processual e pela
Resolução nº 08/2010[7] do Conselho Federal de
Psicologia. O documento deve ser elaborado de acordo com o disposto na
Resolução CFP nº 007/2003[8] e tratando-se de Parecer
Técnico NÃO há a
obrigatoriedade de contato com as partes.
Portanto, o procedimento de entrevistas pode ser perfeitamente prescindível
sem que isso prejudique a qualidade do trabalho, ou seja, o fato de não entrevistar as partes litigantes não pode ser objeto de questionamento ético.
Conceito e finalidade do PARECER segundo a Resolução 007/2003[9] do Conselho Federal de
Psicologia:
“Parecer é um documento fundamentado e resumido
sobre uma questão focal do campo psicológico cujo resultado pode ser indicativo
ou conclusivo. O parecer tem como finalidade apresentar resposta
esclarecedora, no campo do conhecimento
psicológico, através de uma avaliação especializada, de uma “questão problema”, visando a
dirimir dúvidas que estão interferindo na decisão, sendo, portanto, uma resposta a uma consulta, que exige de quem
responde competência no assunto.
(...)
O psicólogo parecerista deve fazer a análise do problema
apresentado, destacando os aspectos relevantes e opinar a respeito, considerando os quesitos apontados e com
fundamento em referencial teórico-científico.
(...)
Destina-se à transcrição do objetivo da consulta e dos quesitos ou à apresentação
das dúvidas levantadas pelo solicitante. Deve-se apresentar a questão em tese, não sendo necessária,
portanto, a descrição detalhada dos procedimentos, como os dados colhidos ou o
nome dos envolvidos.
A discussão do PARECER
PSICOLÓGICO se constitui na análise minuciosa da questão explanada e argumentada
com base nos fundamentos necessários existentes, seja na ética, na técnica ou
no corpo conceitual da ciência psicológica. Nesta parte, deve respeitar as
normas de referências de trabalhos científicos para suas citações e informações.
Na parte final, o
psicólogo apresentará seu posicionamento, respondendo à questão levantada.”
* A Declaração e o Parecer psicológico não são documentos
decorrentes da avaliação Psicológica, embora muitas vezes apareçam desta forma.
Por isso consideramos importante constarem deste manual afim de que sejam
diferenciados.”
Ou seja, o PARECER é de caráter CONSULTIVO, onde o
profissional emite uma opinião técnico cientifica sobre a demanda que lhe foi
apresentada pelo contratante.
O Parecer NÃO é um documento decorrente de avaliação Psicológica.
O psicólogo parecerista faz a análise do
problema apresentado e das dúvidas levantadas pelo solicitante, e depois de
leitura acurada dos autos, consulta a materiais complementares, tendo ou não se
reunido com alguns ou todos membros da família para compreensão das queixas,
opina a respeito das questões problemas fundamentado suas considerações em
referencial teórico-científico.
Importante também esclarecer que “a manifestação
de um Parecerista técnico constitui uma produção de provas lícita, cabível e
perfeitamente admissível em qualquer momento do processo, e qualquer
posicionamento contrário viola os princípios constitucionais processuais da
ampla defesa e do contraditório.”[10]
O PARECER Técnico não pode ser confundido com AVALIAÇÃO
PSICOLÓGICA, vejamos:
“A avaliação
psicológica é entendida como o processo técnico-científico de coleta de dados, estudos e interpretação de
informações a respeito dos fenômenos psicológicos, que são resultantes da
relação do indivíduo com a sociedade, utilizando-se, para tanto, de estratégias
psicológicas – métodos, técnicas e instrumentos. Os resultados das
avaliações devem considerar e analisar os condicionantes históricos e sociais e
seus efeitos no psiquismo, com a finalidade de servirem como instrumentos para
atuar não somente sobre o indivíduo, mas na modificação desses condicionantes
que operam desde a formulação da demanda até a conclusão do processo de
avaliação psicológica.”[11]
“Conceito e finalidade
do relatório ou laudo psicológico. O relatório ou laudo psicológico é uma
apresentação descritiva acerca de situações e/ou condições psicológicas e suas determinações históricas, sociais,
políticas e culturais, pesquisadas no processo de avaliação psicológica. Como
todo DOCUMENTO, deve ser subsidiado em dados colhidos e analisados, à luz de um
instrumental técnico (entrevistas,
dinâmicas, testes psicológicos, observação, exame psíquico, intervenção
verbal), consubstanciado em referencial técnico-filosófico e científico
adotado pelo psicólogo. A finalidade do relatório
psicológico será a de apresentar os procedimentos e conclusões
gerados pelo processo da avaliação
psicológica, relatando sobre o encaminhamento, as intervenções, o
diagnóstico, o prognóstico e evolução do caso, orientação e sugestão de projeto
terapêutico, bem como, caso necessário, solicitação de acompanhamento
psicológico, limitando-se a fornecer
somente as informações necessárias relacionadas à demanda, solicitação ou
petição.”
“As considerações
geradas pelo processo de avaliação
psicológica devem transmitir ao solicitante a análise da demanda em sua
complexidade e do processo de avaliação
psicológica como um todo.” (Grifos não originais)
O Conselho Regional de
Psicologia (CRP 13 PB)[12]
diz em nota técnica sobre Avaliação
Psicológica:
“A avaliação psicológica é compreendida como um amplo processo de
investigação, no qual se conhece o avaliado e sua demanda, com o intuito de
programar a tomada de decisão mais apropriada do psicólogo.”
A Professora Rosane Neves da Silva, da
Disciplina de
Ética Profissional do Instituto
de Psicologia Universidade Federal do Rio Grande do Sul[13], ensina que:
“A avaliação psicológica é um procedimento que visa avaliar, através de instrumentos
previamente validados para a determinada função, os diversos processos psicológicos que compõe o indivíduo, sendo o
psicólogo o único profissional habilitado por lei para exercer esta função. A avaliação e descrição da realidade psicológica
de alguém fornece ao psicólogo um conjunto de informações, as quais este deve
saber interpretar, selecionar e sobretudo transmitir e devolver. Esta
responsabilidade traz consigo uma série de considerações éticas que visam não
somente a imparcialidade do processo em si, mas principalmente a humanização
deste, tendo como foco, em última instância a preservação da integridade do
sujeito avaliado. Partindo deste princípio muitas questões vem à tona, como a influência do diagnóstico no
contexto social do avaliado, o
posicionamento do psicólogo em relação à avaliação. O psicólogo deve ter consciência da influência que um diagnóstico pode
trazer para a realidade do avaliado... O
psicólogo deve ter consciência da influência que um diagnóstico pode trazer para
a realidade do avaliado.
O posicionamento do
psicólogo em relação à realidade do
paciente é outro ponto que deve ser
levado em consideração ao realizar a avaliação, sendo que o curso de uma
entrevista, por exemplo, é bastante influenciado por variáveis pessoais como
sexo, raça, situação sociocultural entre outras. A atenção do psicólogo nestas
situações em relação a estas variáveis é de extrema importância, apropriando-se
das influências que estas causam ao avaliado sem no entanto abandonar a imparcialidade que a avaliação psicológica
existe para comprovar sua validade.” (Grifos não originais)
Por todo o exposto, antes de fazer uma denúncia no Conselho
Federal de Psicologia cabe ao denunciante analisar as atribuições do
profissional em cada área da psicologia no sentido de avaliar se sua queixa é
procedente ou se é mero descontentamento com o resultado esperado.
Vale relembrar que ao psicólogo jurídico não cabe tratar terapeuticamente das partes
e que Parecer Técnico não é um documento
decorrente de avaliação psicológica e sim da análise processual, portanto,
dispensa a entrevista quer com requerente quer com requerido/a. Nessa
esteira é inútil recorrer ao CRP para reclamar que a psicóloga parecerista
emitiu um parecer sem nunca ter entrevistado demandante ou demandado/a, ou não
ter tratado/promovido saúde emocional dos envolvidos sendo eles adultos ou
menores de idade, porque essa é função do psicólogo clínico.
[1] SILVA. Evandro Luiz. Perícias Psicológicas nas Varas
de Família: Um recorte da Psicologia Jurídica. São Paulo, Ed. Equilíbrio, 2009,
p. 10 – Destaquei.
[2] Idem, p. 10
[3] SILVA. Evandro Luiz. Obra citada, p.11.
[4]
https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2010/07/resolucao2010_008.pdf
[5] MACIEL, S.K. Perícia Psicológica e resolução de
conflitos familiares. Dissertação. (Mestrado em Psicologia). Programa de
Pós-Graduação em Psicologia. Florianópolis: Universidade Federal de Santa
Catarina, 2002. Destaquei para enfatizar.
[6] Atribuições Profissionais do Psicólogo no Brasil
Contribuição do Conselho Federal de Psicologia ao Ministério do Trabalho para
integrar o catálogo brasileiro de ocupações – enviada em 17 de outubro de 1992,
in: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2008/08/atr_prof_psicologo.pdf
[9] Idem.
[10] SILVA. Denise Maria Perissini. Psicóloga Clínica e
Jurídica. Mestre em Ciências Humanas Interdisciplinares.