quinta-feira, 24 de setembro de 2015

O ratinho Timóteo

Com educadora, orientadora e terapeuta de crianças há mais de 14 anos, minha tarefa principal é restaurar um significado na vida delas.

Quase sempre a criança depois do divórcio dos pais está sujeita a sentimentos desesperados de solidão e isolamento, e com frequência experimenta uma ansiedade muito forte. Na maioria das vezes, ela é incapaz de expressar seus sentimentos em palavras, e só pode fazê-lo indiretamente através de brincadeiras, fantasias ou até mesmo ao ouvir histórias.

Os contos de Fadas geralmente começam com “Era uma vez...” e terminam com “E viveram felizes para sempre”. Essa ideia cria esperança de que podem ter sucesso nas dificuldades do momento e que tudo pode acabar bem no final.

As histórias infantis ajudam a criança a lidar com sentimentos como: inveja ou rivalidade com irmãos, medo da separação dos pais, inferioridade, raiva, vingança, tristeza, desprezo, abandono, etc., por isso geralmente quando se identifica com os personagens pede para lerem para ela várias vezes a mesma história.

O conto enriquece a vida interior da criança e a auxilia entender melhor suas emoções. Utilizando os pensamentos mágicos dos personagens a criança fica aliviada por saber que esses sentimentos são comuns, afinal, todos sentem raiva e querem destruir a bruxa malvada, sentem medo do Lobo Mau. Sentem orgulho de um príncipe que salva a princesa, se admiram com a sabedoria do rei, sentem pena de quem sofre por conta da maldade da bruxa.

Internamente a criança sem que ninguém precise ensinar, faz a transposição para sua realidade atual e reelabora seus conteúdos internos através da repetição da história. Ela usa a repetição para compreender e elaborar as angustias e conflitos ainda não resolvidos.

Num atendimento essa semana o garoto me disse:

- Você pode ler pra mim a história do elefantinho Dumbo?

Achei o pedido muito significativo e quero compartilhar minha interpretação.  O menino é filho de pais separados e mora com a mãe. Quando ela ‘permite’ ele vê o pai a cada 15 dias, mas geralmente fica 2 meses sem convivência, porque sempre a mãe dá ‘um jeitinho’ de não cumprir a decisão judicial que dá ao filho esse DIREITO.

Vejamos:

Dona Jumbo briga por seu filhote mesmo que isso venha arruiná-la, como é o caso na história.

Mesmo contando com o amor e proteção materna o drama de Dumbo é de separação. Dona Jumbo é encarcerada após uma crise de fúria e o elefantinho ficou só, tendo apenas o rato Timóteo como conselheiro.

 “O drama do elefantinho centra-se no fato de que ele se vê privado dessa proteção, quando sua mãe é encarcerada. Essa história tem seu fim quando se produz o milagre de fazer um elefante voar.

Longe da proteção materna o elefante tem novas aventuras numa jornada de crescimento.

A função paterna é feita pelo ratinho Timóteo. Como em todos contos de fadas temos nesse um pai desvalorizado, neste caso minúsculo. A assimetria desse casal rato-elefante, no exercício das funções paterna e materna simboliza bem o que sempre sentimos: um pai que aos olhos da mãe está sempre aquém do necessário. Nas piadas o enorme elefante costuma ter medo de ratos, mostrando que tamanho não é documento. Porém não deixa de ser ilustrativo que a mãe seja tão imensa, enquanto o personagem que poderíamos associar ao pai é tão pequenino.

O ratinho representa um pai que surge como um conselheiro oportuno e sábio, mas só depois que o destino tira de cena a dona Jumbo, cujo amor paquidérmico ocupava todos os espaços.

Timóteo cria um objeto mágico, uma peninha, que faz com que o elefantinho perca o medo de voar. Convence-o que se estiver segurando-a na tromba não cairá. Só depois quando Dumbo já estava convencido de seu dom, Timóteo revela que a história da peninha fora um pequeno truque.

Não pode haver nada mais paterno que esse episódio. Ele é similar ao que ocorre quando as crianças e a andar de bicicleta: em determinado momento quem está segurando deixa-as soltas e elas saem pedalando sozinha, confiantes de que estão sendo amparadas.

O trabalho do pai é esse auxilio no crescimento, que passa por deixar voar, mas entregando uma peninha que represente sua presença, ou, com as mãos soltas acompanha com o olhar as primeiras pedaladas independentes. Trata-se de um apoio que saiba se ausentar na hora certa e possa ser substituído pela confiança nos passos do filho.

O filho que vive só com a mãe vai ser sentido como se fosse parte da própria mãe. Ela ficará ao seu lado no infortúnio e ele será sua extensão narcísica. Assumir o formato do ideal materno, no entanto, é uma proposta regressiva. É uma possibilidade de se entregar infantilmente à condição de ser objeto da mãe”.

A psicanalise capacita o homem a aceitar a natureza problemática da vida sem ser derrotado por ela, por isso indico terapia para todos que estão passando pela situação de separação. Os Postos de Saúde oferecem esse serviço gratuitamente. Pode demorar um pouquinho, mas a vaga aparece.

O tratamento é importante para que o pai ausente fique forte e não desista de lutar pelo filho. O judiciário além de ser moroso não aplica a Lei da guarda compartilhada na integra, mas estamos lutando pra que esse quadro mude.

Mesmo que no momento você esteja pequeno feito o ratinho Timóteo. Faça sua parte. Auxilie no crescimento emocional do seu filho, ajude ele a perder os medos, a ter confiança num futuro melhor. Não permita que a mãe elefante ocupe todos os espaços, lute pelo seu e mesmo que ele seja desproporcional em tempo, dê TEMPO DE QUALIDADE para seu filho. Mostre que tamanho não é documento e marque seu espaço no emocional da criança.

“Provoque” o judiciário toda vez que se sentir prejudicado. Seu filho precisa de você para novas aventuras numa jornada de crescimento.




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