quinta-feira, 17 de setembro de 2015

'Ela era inocente e ele a amava, mas teve que matar'.

Eu não costumo relatar nada do que acontece no espaço clínico quando envolve menores de idade, mas essa semana fiz um atendimento que me sensibilizou demais e decidi compartilhar no Blog para que pais e mães que cometem atos de Alienação Parental tenham dimensão do maleficio que fazem aos filhos ao proibir a criança de ter contato com outro genitor.

Com crianças não dá para fazer entrevistas semi dirigidas como fazemos com os adultos, por isso, como técnica projetiva, entre outras, utilizo a família de bonecos. O brincar ativa o emocional, incentiva o imaginário e facilita a expressão e opinião da criança. 

‘Brincar é o meio natural de auto-expressão da criança. Durante as sessões de ludoterapia é dada a oportunidade da criança libertar os seus sentimentos e problemas através da brincadeira’.

“Os jogos e brincadeira permitem que a criança libere a tensão, frustração, insegurança e até mesmo a agressividade, medo e a confusão, tudo isso sem que a criança se dê conta que tem todos esses sentimentos guardados. A ludoterapia é uma poderosa terapia para que a criança aprenda a se expressar”.

Nos atendimentos sempre disponibilizo várias bonecas e bonecos adultos, bem como bonequinha(o)s pequena(o)s, dessa forma a criança terá em mãos brinquedos que representam as figuras femininas e figuras masculinas. As bonecas podem representar a mamãe, vovó, titia, nova esposa, namorada do papai, professora e bonecos representam papai, vovô, titio, novo marido ou namorado da mãe, etc.

Assim que abri a caixa de brinquedos o garotinho retirou as bonecas e arrancou as cabeças, pernas e braços e jogou tudo na grama (estávamos num espaço ao ar livre).

Perguntei:

- Por que você destruiu as figuras femininas?

Garoto (8 anos) respondeu:

- Fiz de conta que aqui é um videogame. Mesmo que a menina é INOCENTE, TEM QUE MATAR. Mesmo que o matador ama ela, tem que matar. Mesmo que ele não quer, tem que matar.

- Por que ele tem que matá-la?

- Não tem explicação, tem que matar e pronto. Porque tem que matar, só isso. Não sei explicar porque.

Depois de uma pausa continuou....

- Nem o homem sabe explicar. Mandaram ele matar ela e ele matou. Ela era INOCENTE. Ela não tinha arma, mas o homem tinha faca e metralhadora. Ele AMAVA ELA, mas teve que matar.

Perguntei:

- Como sabe que ele a amava?

- Sei, porque quando ele via ela aparecia um coração na cabeça dele.

Está nítido que menino está se projetando na brincadeira. Está dizendo de si, de como se sente. Ele teve que “matar” a mãe simbolicamente, porque esta é a mensagem que lhe passam ao afastá-lo da convivência materna. Embora ele não entenda o porquê disso, sabe que deve “matá-la”.

No fundo ele não compreende a situação e verbaliza: - Não tem explicação, tem que matar e pronto. Porque tem que matar, só isso. Não sei explicar porque

Garoto está confuso, não tem conhecimento do processo de disputa de guarda e sabiamente me diz:

- Eu sei pra que serve uma psicóloga.

Perguntei:

- Pra quê?

Respondeu:

- Ensinam as pessoas a se comportarem melhor e ajudam elas a ser felizes. 

Minutos depois perguntou:

- Mas por quê, então, vocês não fazem nada? Eu já fui em três e vocês não me falam porquê. Vocês não servem pra nada. O que vocês fazem com os desenhos que mandam a gente fazer? Vocês, perguntam, perguntam, perguntam e quero saber o que vocês fazem com essas perguntas. Vocês dão as perguntas pra quem? (na verdade ele queria saber o que fazemos e a quem damos as respostas).

Pra não dizer que ele era “”objeto”” da disputa de uma guarda, a única saída que vi foi responder que toda profissão tem um ‘segredo’ e que esse era o meu, mas que quando ele ficasse mocinho era pra ele me procurar que eu revelaria o segredo à ele e entreguei meu cartão de visitas e falei: - Guarde num local bem secreto pra você não perder e quando você fizer 18 anos pode me ligar que te conto.

Ele adorou a brincadeira, mas eu estou a mais de 24 horas pensativa com a última frase que ele me disse:

- Vocês não fazem as pessoas felizes.

Ele me acertou como uma flecha acerta o alvo, mas eu não vou ser a única ‘culpada’ da infelicidade de famílias, vou arrastar comigo para o compromisso pais e mães que desejam guardas unilaterais. Vou chamar de culpados a morosidade do judiciário, juízes com pensamentos arcaicos, advogados que peticionam sem levar em conta a alienação parental e a vigência da Lei 13.058, que diz que no Brasil ela é REGRA e não uma exceção.  

Uma criança tem que conviver com ambos genitores em tempo equilibrado. Vou parafrasear o pequeno garoto e perguntar a todos envolvidos:

Até quando nós vamos permitir que uma criança INOCENTE ‘mate simbolicamente’ seu pai ou sua mãe?

“Mesmo que a menina é INOCENTE, TEM QUE MATAR. Mesmo que o matador ama ela, tem que matar. Mesmo que ele não quer, tem que matar.

- Não tem explicação, tem que matar e pronto. Porque tem que matar, só isso. Não sei explicar porque.

- Nem o homem sabe explicar. Mandaram ele matar ela e ele matou. Ela era INOCENTE. Ela não tinha arma, mas o homem tinha faca e metralhadora. Ele AMAVA ELA, mas teve que matar”.

Todos nós, profissionais da psicologia, da assistência social, do direito, pais, mães, avós, nós temos a FACA E A METRALHADORA NAS MÃOS. Nós vamos ensinar a matar ou a compartilhar?

Quem ama compartilha, não mata! Embora não pareça quem morre é a criança e não o genitor ausente. O adulto bem ou mal está acostumado às decepções da vida, mas a criança recém chegou ao mundo. Não a condenemos aos sentimentos de abandono e rejeição antes da hora. Tudo tem seu tempo.




Um comentário:

  1. como dói essa fala da criança, como ele é objeto desse drama. que futuro emocional lhe aguarda.....que pena meu Deus....e o pior é que ninguém pode mesmo fazer nada.....ele está afundando com um dedinho para fora, para que alguém o ajude

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