quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Segredos de liquidificador


Desde 1985 quando Cazuza lançou a música Codinome Beija-Flor eu ficava imaginando o que ele queria dizer com o refrão:

Que só eu que podia
 Dentro da tua orelha fria
Dizer segredos de liquidificador “.

Esse texto foi feito especialmente para um adolescente que que teve a bravura de me procurar in box com Face Falso, mas que depois de um tempo de conversa foi adulto suficiente pra dizer quem era.

Esse jovem começou a perceber os efeitos bumerangue (brinquedo que quando arremessado volta a quem o jogou) na alienação parental.

Filhos de casal separado, guarda unilateral materna a criança cresceu alijado do pai e com isso sofreu toda sorte de angustias que a ausência do outro pode causar.

Cada um reage de um jeito. Alguns jovens se rebelam, outros se deprimem. O rapaz em questão decidiu morrer. Morrer de fato e simbolicamente. Vítima de alienação parental e suas consequências, ficou internado em um renomado Hospital de Campinas, local onde nos conhecemos.

Perda do interesse pela vida era a principal queixa. Não era exatamente o desejo de morrer que imperava, mas o desejo de parar de sofrer. Nada mais agradava o garoto internado na ala de Psiquiatria.

Deixou de ir para escola. Não tinha mais namorada (“Afinal, não se pode confiar em ninguém”!). Não queria comer, não queria contar sua história ‘aos que não entendiam’.

“Psiquiatras cuidam de louco e eu não sou louco, sou um sofredor. Sofro desde pequeno e não suporto mais esse mundo individualista”.

Eu não era psicóloga da Instituição, mas fui chamada por um parente da mãe do garoto que no primeiro encontro disse:

- Sei que a senhora só cuida de problemas decorrentes do divórcio. Ele é filho de pais separados, mas não tem nada a ver com separação. Ele não quer ver o pai.

Diante dessa informação após a segunda frase do rapaz tirei meu cartão de dentro da bolsa e perguntei:

- Você sabe o que é alienação parental?

- Não.

Expliquei e ele respondeu:

- Você é a primeira pessoa que me entende! Eu vou falar com você.

E ai começaram os ‘segredos de liquidificador’. 

Não existem liquidificadores sutis, silenciosos da mesma forma que não existe alienação parental sem fortíssimas consequências. Os liquidificadores fazem barulho para fora e a alienação faz barulho por dentro, no caso das depressões, e barulho por fora no caso das rebeldias e atos de delinquência.

Logo, o que seria um segredo deixa de ser um ‘segredo’, porque o corpo e os atos dos alienados falam o que a voz não verbaliza.

Quando colocamos as coisas no liquidificador fica tudo MISTURADO: confuso, desmanchado, liquefeito.

No ‘copo do liquidificador’ da separação do casal temos: pai, mãe, filhos, amor, ódio, raiva, mágoa, vingança, dinheiro, desrespeito, parentes e amigos de ambas as partes, etc.

Depois desses ingredientes triturados pelas facas afiadas do fundo do liquidificador a composição física e emocional dos integrantes dessa mistura muda completamente, normalmente ficando com partículas menores ou quase invisíveis e o que era sólido vira liquido.

Pois é exatamente dessa forma que vejo as famílias que sofrem com os problemas decorrentes das separações. Sabemos que ali tem vários integrantes e com eles uma soma de sentimentos, mas não conseguimos saber mais quem é quem ou o que é o que.

Quando tomamos uma batida de frutas podemos afirmar pelo sabor e ou pela cor que tem: banana, maça, mamão, leite, açúcar, aveia, granola, ameixa, leite condensado, creme de leite, mel, achocolatado, etc. Da mesma forma quando ouço o relato de um genitor(a) e ou dos filhos alienados, sei que lá existia um casal conjugal e o fruto ou frutos dessa união. 

Acontece que tudo está diluído em rancores, decepções, mentiras, intrigas, saudades, angustias, ciúmes e é difícil identificar como eram antes de serem triturados pelo litigio.

Vamos voltar ao garoto do texto. Todos os dias recebo dezenas de pedidos de amizade e antes de aceitar dou uma espiadinha no perfil. Esse tinha como amigos apenas 10 grandes pais atuantes do Grupo Alienação Parental, Guarda Compartilhada e Falsas Acusações de Abuso. No lugar da foto uma imagem de morte.

Como sempre respondo a todos, enviei mensagem in box e perguntei:

- Fulano quem é você? Por que me procura com perfil falso? Está claro que você acrescentou amigos em comum para eu te aceitar. Em que posso te ajudar?

Mais de uma semana depois surge a resposta.

- “Eu vi que você é psicóloga na sua capa e pensei em te pedir amizade. Quero te perguntar algumas coisas. É crime a mãe bater no filho? Se meu amigo quiser denunciar a mãe só pra ela não ter mais a guarda, vai dar certo? Ele não quer que ela seja presa!
E continuou. Meu amigo apanhou da mãe e daí o pai disse que se ele denunciasse a mãe ela perderia a guarda. Outra coisa que quero te perguntar. Se a mãe tem a guarda do filho, o mesmo só pode ver o pai a cada 15 dias. Isso é verdade? O filho não pode dormir na casa do pai?

A pessoa de quem eu falo está sendo enganada. O advogado da mãe dele disse que ele não pode dormir na casa do pai e só pode ver ele a cada 15 dias, mas o irmão dele que já é maior de idade pode ir à vontade. 

A mãe dele casou de novo e o pai não.  Ele quer a guarda do filho e o filho quer ir morar com ele. O engraçado é que quando convém à mãe ela deixa o filho ir para casa do pai em menos de 15 dias. Irônico, não?

Antes ela deixava, agora o que a mãe fala é lei. Que raiva!

Ele viajou de férias sendo que meu pai pagou a passagem e a mãe PROIBIU o filho de visitar a avó paterna. E ainda fala que não entende porque o menino chora tanto.

O garoto pensa que a mãe não gosta dele e a mãe vive falando que o pai dele não o ama. Ele tem depressão.

A mãe vive dizendo: Nossa, não entendo porque você gosta mais do seu pai que da sua mãe. Eu tenho RAIVA DE PAIS IRRESPONSÁVEIS.

Ele ligou para avó materna esses dias e disse que amava o pai e a mãe e a vó falaram assim: - é sempre tem um que a gente ama mais. Insinuando que meu amigo gosta mais do pai que da mãe, mas ele gosta dos dois igual.

Não existe ex filho, né!. Hey, mas me diga, porque uma mãe aliena os filhos?  Elas fazem isso conscientemente? Elas amam esses filhos? Sei que a pergunta é meio óbvia, mas penso: será que alguém que faz isso gosta realmente do filho?

Se eu revelar quem sou, você não fica brava?

Eu sou o Fulano de Tal que você conheceu na ala psiquiátrica há 4 meses. Tive alta e você disse pra eu te procurar, pronto, procurei, srsrs.

Vou ter que sair agora da internet.  Assim que puder mando mensagem pra você. Desculpa se não tinha e revelado antes”.

Essa conversa me encheu de alegria e esperança, porque percebi que mesmo no estágio mais grave da alienação parental é possível que o alienado reflita. Na imensa e esmagadora maioria das vezes por conta do pacto de lealdade com genitor alienador o adolescente não consegue expressar seus desejos e sucumbi à depressão. Para chamar atenção dos pais para o problema uma das saídas é adoecer. A doença não deixa de ser uma forma de unir as famílias. Uma doença psiquiátrica tal qual o liquidificador faz ‘desmanchar’ e ‘balançar’ os corações. 

Me disponho a gratuitamente atender os familiares. Pai, mãe e eu moramos em cidades diferentes mas com certeza se nosso pequeno grande herói se fortalecer e conseguir marcar um encontro nós acharemos o meio do caminho para traçar uma nova estrada.

Amigo, no hospital eu te contei parte da minha história e disse que acrescentei meu segundo nome: VALENTINA judicialmente há alguns anos. Pela sua atitude em me procurar vou te apelidar de VALENTIN.

“Bora”, Valentin, passe meu contato pra um dos seus pais e vamos dizer pra eles do que é feita a mistura que está no liquidificador.

Diferentemente do que diz a música, minha orelha é quentinha e aconchegante, vem que você pode contar todos os segredos de liquidificador.

Um abraço bem grande pra você. Tenho absoluta certeza que sairá desta e ainda irá falar sobre alienação parental comigo nas Palestras.

Estou esperando seu novo e Valentino contato.








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