Desde 1985 quando Cazuza lançou a música Codinome
Beija-Flor eu ficava imaginando o que ele queria dizer com o refrão:
“Que só
eu que podia
Dentro da tua orelha
fria
Dizer segredos de liquidificador “.
Esse texto foi feito especialmente para um
adolescente que que teve a bravura de me procurar in box com Face Falso, mas
que depois de um tempo de conversa foi adulto suficiente pra dizer quem era.
Esse jovem começou a perceber os efeitos bumerangue (brinquedo que quando arremessado volta a quem o jogou) na
alienação parental.
Filhos de casal separado, guarda unilateral
materna a criança cresceu alijado do pai e com isso sofreu toda sorte de
angustias que a ausência do outro pode causar.
Cada um reage de um jeito. Alguns jovens se rebelam, outros se deprimem. O rapaz em questão
decidiu morrer. Morrer de fato e simbolicamente. Vítima de alienação
parental e suas consequências, ficou internado em um renomado Hospital de
Campinas, local onde nos conhecemos.
Perda do interesse pela vida era a principal queixa. Não era exatamente o desejo de morrer que imperava, mas o desejo de parar de sofrer. Nada
mais agradava o garoto internado na ala de Psiquiatria.
Deixou de ir para escola. Não tinha mais namorada (“Afinal, não
se pode confiar em ninguém”!). Não queria comer, não queria contar sua história
‘aos que não entendiam’.
“Psiquiatras cuidam de louco e eu não sou louco, sou um
sofredor. Sofro desde pequeno e não suporto mais esse mundo individualista”.
Eu não era psicóloga da Instituição, mas fui
chamada por um parente da mãe do garoto que no primeiro encontro disse:
- Sei que a senhora só cuida de problemas
decorrentes do divórcio. Ele é filho de pais separados, mas não tem nada a ver com separação. Ele não quer ver o pai.
Diante dessa informação após a segunda frase do
rapaz tirei meu cartão de dentro da bolsa e perguntei:
- Você sabe o que é alienação parental?
- Não.
Expliquei e ele respondeu:
- Você é a primeira pessoa que me entende! Eu
vou falar com você.
E ai começaram os ‘segredos de liquidificador’.
Logo, o que
seria um segredo deixa de ser um ‘segredo’, porque o corpo e os atos dos
alienados falam o que a voz não verbaliza.
Quando colocamos as coisas no liquidificador
fica tudo MISTURADO: confuso,
desmanchado, liquefeito.
No ‘copo do liquidificador’ da separação do
casal temos: pai, mãe, filhos, amor, ódio, raiva, mágoa, vingança, dinheiro,
desrespeito, parentes e amigos de ambas as partes, etc.
Depois desses ingredientes triturados pelas facas afiadas
do fundo do liquidificador a composição física e emocional dos integrantes
dessa mistura muda completamente, normalmente ficando com partículas menores
ou quase invisíveis e o que era sólido vira liquido.
Pois é exatamente dessa forma que vejo as
famílias que sofrem com os problemas decorrentes das separações. Sabemos que
ali tem vários integrantes e com eles uma soma de sentimentos, mas não conseguimos saber mais quem é quem
ou o que é o que.
Quando tomamos uma batida de frutas podemos afirmar pelo sabor e ou pela cor que
tem: banana, maça, mamão, leite, açúcar, aveia, granola, ameixa, leite
condensado, creme de leite, mel, achocolatado, etc. Da mesma forma quando ouço
o relato de um genitor(a) e ou dos filhos alienados, sei que lá existia um
casal conjugal e o fruto ou frutos dessa união.
Acontece que tudo está diluído em rancores, decepções, mentiras,
intrigas, saudades, angustias, ciúmes e é difícil identificar como eram
antes de serem triturados pelo litigio.
Vamos voltar ao garoto do texto. Todos os dias
recebo dezenas de pedidos de amizade e antes de aceitar dou uma espiadinha no
perfil. Esse tinha como amigos apenas 10 grandes pais atuantes do Grupo
Alienação Parental, Guarda Compartilhada e Falsas Acusações de Abuso. No lugar
da foto uma imagem de morte.
Como sempre respondo a todos, enviei mensagem
in box e perguntei:
- Fulano quem é você? Por que me procura com
perfil falso? Está claro que você acrescentou amigos em comum para eu te
aceitar. Em que posso te ajudar?
Mais de uma semana depois surge a resposta.
- “Eu vi que você é psicóloga na sua capa e
pensei em te pedir amizade. Quero te perguntar algumas coisas. É crime a mãe
bater no filho? Se meu amigo quiser denunciar a mãe só pra ela não ter mais a guarda,
vai dar certo? Ele não quer que ela seja presa!
E continuou. Meu amigo apanhou da mãe e daí o
pai disse que se ele denunciasse a mãe ela perderia a guarda. Outra coisa que
quero te perguntar. Se a mãe tem a guarda do filho, o mesmo só pode ver o pai a
cada 15 dias. Isso é verdade? O filho não pode dormir na casa do pai?
A pessoa de quem eu falo está sendo enganada. O
advogado da mãe dele disse que ele não pode dormir na casa do pai e só pode ver
ele a cada 15 dias, mas o irmão dele que já é maior de idade pode ir à vontade.
Antes ela deixava, agora o que a mãe fala é
lei. Que raiva!
Ele viajou de férias sendo que meu pai pagou a
passagem e a mãe PROIBIU o filho de
visitar a avó paterna. E ainda fala que não
entende porque o menino chora tanto.
O garoto pensa que a mãe não gosta dele e a mãe vive falando
que o pai dele não o ama. Ele tem depressão.
A mãe vive dizendo: Nossa, não entendo porque você gosta mais do seu pai que da sua mãe. Eu
tenho RAIVA DE PAIS IRRESPONSÁVEIS.
Ele ligou para avó materna esses dias e disse
que amava o pai e a mãe e a vó falaram assim: - é sempre tem um que a gente ama
mais. Insinuando que meu amigo gosta mais do pai que da mãe, mas ele gosta dos dois igual.
Não existe ex filho, né!. Hey, mas me diga, porque uma mãe aliena os filhos? Elas fazem isso conscientemente? Elas amam
esses filhos? Sei que a pergunta é meio óbvia, mas penso: será que alguém que
faz isso gosta realmente do filho?
Se eu revelar quem sou, você não fica brava?
Eu sou o Fulano de Tal que você conheceu na ala
psiquiátrica há 4 meses. Tive alta e você disse pra eu te procurar, pronto,
procurei, srsrs.
Vou ter que sair agora da internet. Assim que puder mando mensagem pra você.
Desculpa se não tinha e revelado antes”.
Essa conversa me encheu de alegria e esperança,
porque percebi que mesmo no estágio mais grave da alienação parental é possível
que o alienado reflita. Na imensa e esmagadora maioria das vezes por conta do pacto de lealdade com genitor alienador
o adolescente não consegue expressar seus desejos e sucumbi à depressão. Para
chamar atenção dos pais para o problema uma das saídas é adoecer. A doença não
deixa de ser uma forma de unir as famílias. Uma doença psiquiátrica tal qual o
liquidificador faz ‘desmanchar’ e
‘balançar’ os corações.
Me disponho a gratuitamente atender os
familiares. Pai, mãe e eu moramos em cidades diferentes mas com certeza se
nosso pequeno grande herói se fortalecer e conseguir marcar um encontro nós
acharemos o meio do caminho para traçar uma nova estrada.
Amigo, no hospital eu te contei parte da minha
história e disse que acrescentei meu segundo nome: VALENTINA judicialmente há
alguns anos. Pela sua atitude em me procurar vou te apelidar de VALENTIN.
“Bora”, Valentin, passe meu contato pra um dos
seus pais e vamos dizer pra eles do que é feita a mistura que está no
liquidificador.
Diferentemente do que diz a música, minha
orelha é quentinha e aconchegante, vem que você pode contar todos os segredos
de liquidificador.
Um abraço bem grande pra você. Tenho absoluta
certeza que sairá desta e ainda irá falar sobre alienação parental comigo nas
Palestras.
Estou esperando seu novo e Valentino contato.
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