domingo, 16 de outubro de 2016

O dever de ‘visitar’



Abandono afetivo por conveniência é diferente de abandono afetivo decorrente de alienação parental e é sobre esse primeiro que vou escrever hoje.

Alguns pais que não desejavam a gravidez, mas NÃO usaram preservativo, culpabilizam a mulher pelo nascimento da criança e abandonam ambas emocionalmente sendo que esta última não teve culpa alguma pela irresponsabilidade dos primeiros.

Estou atendendo um homem cuja mãe foi trabalhar em outro Estado (1.100 km distante de sua cidade natal) e lá viveu em união estável por mais de dois anos com um ‘estrangeiro’. Após esse período, ela conta que devido ao uso de antibióticos para uma infecção de garganta o anticoncepcional perdeu a eficácia e ela engravidou.

O sujeito de cultura oriental, radical e diferente da dela insistiu à princípio para que ela abortasse, coisa que ela se negou veementemente, então, na mesma semana ele a colocou pra fora de casa e a enviou novamente para cidade de origem.

O filho nasceu e ele sempre deu apoio financeiro, no entanto, NUNCA no decorrer de mais de duas décadas teve o interesse de saber onde e como a criança morava.

O tempo passou, ele não ouviu as primeiras palavras, não viu os primeiros dentinhos ou sorrisos, os primeiros passos. Nunca soube o nome da escola da criança e consequentemente nunca participou de uma reunião escolar.

Não viu o filho aprender a jogar bola, a andar de bicicleta, a partilhar os brinquedos.

O menino terminou o maternal, o ensino básico, o fundamental, o médio, a faculdade, a pós-graduação......e o genitor nunca compareceu a nenhuma formatura.

O homem perdeu as festinhas de aniversário, os passeios no zoológico, as conquistas, a primeira namorada, as aulas da auto escola.

O sujeito sequer soube das terapias a que recorre ainda hoje o filho já homem para dar conta dos ressentimentos e dos sentimentos de exclusão, decepção, frustração e angústia entre outros.

O filho diz que sempre manteve em si o desejo de ter um pai presentes em sua vida. Na ocasião do nascimento a mãe é quem teve que pegar um ônibus com o recém-nascido nos braços e levar para o pai da criança registrar, porque, já haviam passados 40 dias e nada do sujeito assumir o dever de dar nome e sobrenome ao filho.

 Na tentativa de que esse homem assumisse afetivamente a paternidade a genitora da criança levou o menino para o pai ver semestralmente durante oito anos, de ônibus, mas mesmo assim, como diz a Ministra Nancy Andrighi: Amar é faculdade (ou seja, não se tem obrigação) e o pai não o amou.

O abandono afetivo é um tema que envolve um dos maiores e mais preciosos valores do Direito da Família: o ser humano em sua formação, atingindo a criança e o adolescente, cujos direitos têm prioridade absoluta no plano constitucional.

O afastamento espontâneo do pai gera danos emocionais e psíquicos irreversíveis.

É desprezível quem desprotege uma criança, não zela pelo seu bem estar físico e mental frustrando no filho a justa expectativa de conviver com o outro genitor com o qual não reside. Pais que abandonam emocionalmente os filhos, violam e desrespeitam os direitos de personalidade do menor em formação!

Dinheiro compra escola, comida, moradia, roupa, calçados, lazer, recursos médicos e terapêuticos mas não compra educação, carinho, vínculos de amor e de afeto, respeito, atenção. Uma criança e um adolescente não necessita só de ‘pensão’, ele necessita ser acolhido na casa paterna, estar sob vigilância e amparo; necessita ser instruído, dirigido, moralizado, aconselhado; significa ser merecedor de uma vida emocional digna como tem seus meio irmãos nascidos do segundo casamento do pai.

O poder familiar deveria ser irrenunciável e intrasferível, mas infelizmente alguns reprodutores renunciam e transferem o poder para quem gerou a criança como se a culpa fosse apenas do ´óvulo’.

Dia desses o filho adulto foi procurar o pai em mais uma tentativa de ser amado, mas nova viagem em vão.

Será que no fim da vida esse genitor que nunca foi pai, terá remorsos por tudo que não fez? Terá remorsos pelo abandono moral a que submeteu o filho por toda infância, puberdade, adolescência e início da vida adulta?

Na desorientação típica da demência senil da idade avançada tentará lembrar do que nunca soube?

- Qual é a cor preferida do meu filho? Qual prato ele gosta mais? Que tipo de música ele escuta? Quais são suas qualidades e defeitos? Que mal eu fiz à ele tendo-o rejeitado por toda vida?

- O imensurável dano por eu tê-lo privado de convívio comigo será um dia reparado?

Não há sombra de dúvidas de que no abandono afetivo há violação dos direitos de personalidade do filho e lesões nas esferas morais. Omissão de afeto deveria ser crime. A dor sofrida pelo filho em virtude do abandono paterno que o privou do sagrado direito de convivência, amparo moral e psíquico deveria ser indenizável sim, porque, com o uso de uma camisinha quem não quer ser pai, NÃO É!

Legisladores e judiciário não têm meios de exigir ou impor amor, mas têm o poder de exigir paternidade responsável e compromissada com as imposições constitucionais. Quem fez filho deveria ser obrigado a CUMPRIR a “visitação” caso não queira convivência.

Só quem ouve os segredos mais profundos dos abandonados é que tem a real dimensão do que é ter passado a vida sem ter tido um pai pra mostrar a ninguém! É no confessionário do consultório que se choram as lágrimas de ter passado por toda a vida com filho órfão de pai vivo-omisso e não presente!

“Importa a sociedade como um todo a formação de um indivíduo são, pleno, provido em suas necessidades psíquicas e à salvo de abusos morais em razão do abandono afetivo por parte daqueles que estão incumbidos de dar-lhes assistência e amor”.




Um comentário:

  1. Lendo o texto, muito me identifico com as dores de alguém a quem lhe foi negado o afeto de um pai, porém não tive ausência física, sempre morei com pai e mãe.

    O abandono afetivo tbm ocorre dentro de casa infelizmente.

    Excelente o texto!

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