quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Atribuições do psicólogo jurídico e do psicólogo terapeuta.

                   
Não são raras as confusões entre as atribuições do psicólogo jurídico e do psicólogo terapeuta, o que acaba muitas vezes, culminando com crescentes, desnecessárias e infundadas denúncias no Conselho Federal de Psicologia.

“Trabalhar com a Psicologia Jurídica implica, entre outros, trabalhar com o que é legal. O norte do que é legal, em nosso sistema jurídico é o que vem estabelecido na Constituição Federal.

Entre a Psicologia Clínica e Jurídica, pelo menos duas diferenças devem ser sempre destacadas, a demanda e a função primeira de cada uma:

1-                 A demanda, na Psicologia Jurídica, pelo menos de entrada, não é do periciado, mas de um órgão Legal (Judiciário, Ministério Público, etc.). Na Psicologia Clínica, a demanda é do cliente; e

2-                 A função primeira da Psicologia Clínica é a psicoterapiaum tratamento psicológico com demanda e regras próprias. E da Psicologia Jurídica, é a perícia – uma investigação psicológica.

Com relação ao item 2, as diferenças são gritantes; e quando confundidas, tendem a levar o trabalho ao fracasso ou a um resvalo na ética.”[1]  

Na clínica o vínculo e o sigilo se dá entre o cliente e o terapeuta, diferentemente da psicologia jurídica onde o sigilo é do processo e não são poucos que o manuseiam. A perícia tem data para terminar, a terapia não.

“A Psicologia Jurídica é a disciplina que trata da atuação do psicólogo no campo do Direito. Em última instância trata das relações do sujeito com a lei.”[2]

“Podemos pensar que a relação da psicologia com o Direito é consequência do comportamento das pessoas em relação à lei.”[3]

Podemos definir a psicologia jurídica como a ciência que vem estabelecer e descrever relações entre os processos mentais e comportamentos do homem em relação ao que é legal, que é justo, que está dentro do Direito.

Muitas vezes o psicólogo jurídico é contratado para emitir um PARECER e cabe ao psicólogo Parecerista emitir opinião técnica objetiva sobre a demanda processual após fazer a análise dos autos sob a perspectiva psicológica.

O Parecerista, o Perito ou o Assistente Técnico NÃO são responsáveis pelo tratamento psicológico das partes, sendo essa função de competência do psicólogo clínico.

A Resolução 008/2010[4] do Conselho Federal de Psicologia em seu capítulo II, artigos 7º e 8º resolve que:

“Em seu relatório, o psicólogo perito apresentará indicativos pertinentes à sua investigação que possam diretamente subsidiar o Juiz na solicitação realizada, reconhecendo os limites legais de sua atuação profissional, sem adentrar nas decisões, que são exclusivas às atribuições dos magistrados.”

“O assistente técnico, profissional capacitado para questionar tecnicamente a análise e as conclusões realizadas pelo psicólogo perito, restringirá sua análise ao estudo psicológico resultante da perícia, elaborando quesitos que venham a esclarecer pontos não contemplados ou contraditórios, identificados a partir de criteriosa análise.”

Ou seja, não cabe aos psicólogos jurídicos tratarem terapeuticamente as partes envolvidas na demanda judicial. Cabe somente emitirem pareceres “técnicos com conhecimentos específicos e científicos relacionados à área de atuação.”[5]

O Psicólogo Clínico “Atua na área específica da saúde, colaborando para a compreensão dos processos intra e interpessoais, utilizando enfoque preventivo ou curativo, isoladamente ou em equipe multiprofissional em instituições formais e informais. Realiza pesquisa, diagnóstico, acompanhamento psicológico, e intervenção psicoterápica individual ou em grupo, através de diferentes abordagens teóricas.

Descrição de ocupação (detalhamento das atribuições):

1 – Realiza avaliação e diagnóstico psicológicos de entrevistas, observação, testes e dinâmica de grupo, com vistas à prevenção e tratamento de problemas psíquicos.

2 – Realiza atendimento psicoterapêutico individual ou em grupo, adequado às diversas faixas etárias, em instituições de prestação de serviços de saúde, em consultórios particulares e em instituições formais e informais.

 3 – Realiza atendimento familiar e/ou de casal para orientação ou acompanhamento psicoterapêutico.

 4 – Realiza atendimento a crianças com problemas emocionais, psicomotores e psicopedagógico.

(...)


O Psicólogo Jurídico atua no âmbito da Justiça (...)

Detalhamento das Atribuições:

(...) 5- Atua como perito judicial nas varas cíveis, criminais, justiça do trabalho, da família, da criança e do adolescente, elaborando laudos, pareceres e perícias a serem anexados aos processos.

6- Elabora petições que serão juntadas ao processo, sempre que solicitar alguma providência, ou haja necessidade de comunicar-se com o juiz, durante a execução da perícia.

7-                 Eventualmente participa de audiência para esclarecer aspectos técnicos em Psicologia que possam necessitar de maiores informações a leigos ou leitores do trabalho pericial psicológico (juízes, curadores e advogados).

8-                 Elabora laudos, relatórios e pareceres, colaborando não só com a ordem jurídica como com o indivíduo envolvido com a Justiça, através da avaliação das personalidade destes e fornecendo subsídios ao processo judicial quando solicitado por uma autoridade competente, podendo utilizar-se de consulta aos processos e coletar dados considerar necessários a elaboração do estudo psicológico.

13- Assessora autoridades judiciais no encaminhamento à terapias psicológicas, quando necessário.”[6]

Esclarecidas as atribuições profissionais do psicólogo clínico e do psicólogo jurídico, se faz mister relembrar que NÃO procede a denúncia do psicólogo jurídico junto ao conselho de classe por ele não ter tratado terapeuticamente os adultos, crianças ou adolescentes envolvidos.

Do mesmo modo, se faz mister esclarecer que a atuação do psicólogo parecerista está respaldada pela legislação processual e pela Resolução nº 08/2010[7] do Conselho Federal de Psicologia. O documento deve ser elaborado de acordo com o disposto na Resolução CFP nº 007/2003[8] e tratando-se de Parecer Técnico NÃO há a obrigatoriedade de contato com as partes.  Portanto, o procedimento de entrevistas pode ser perfeitamente prescindível sem que isso prejudique a qualidade do trabalho, ou seja, o fato de não entrevistar as partes litigantes não pode ser objeto de questionamento ético.

Conceito e finalidade do PARECER segundo a Resolução 007/2003[9] do Conselho Federal de Psicologia:

“Parecer é um documento fundamentado e resumido sobre uma questão focal do campo psicológico cujo resultado pode ser indicativo ou conclusivo. O parecer tem como finalidade apresentar resposta esclarecedora, no campo do conhecimento psicológico, através de uma avaliação especializada, de uma questão problema”, visando a dirimir dúvidas que estão interferindo na decisão, sendo, portanto, uma resposta a uma consulta, que exige de quem responde competência no assunto.

(...)

O psicólogo parecerista deve fazer a análise do problema apresentado, destacando os aspectos relevantes e opinar a respeito, considerando os quesitos apontados e com fundamento em referencial teórico-científico.
(...)

Destina-se à transcrição do objetivo da consulta e dos quesitos ou à apresentação das dúvidas levantadas pelo solicitante. Deve-se apresentar a questão em tese, não sendo necessária, portanto, a descrição detalhada dos procedimentos, como os dados colhidos ou o nome dos envolvidos.

A discussão do PARECER PSICOLÓGICO se constitui na análise minuciosa da questão explanada e argumentada com base nos fundamentos necessários existentes, seja na ética, na técnica ou no corpo conceitual da ciência psicológica. Nesta parte, deve respeitar as normas de referências de trabalhos científicos para suas citações e informações.

Na parte final, o psicólogo apresentará seu posicionamento, respondendo à questão levantada.”

* A Declaração e o Parecer psicológico não são documentos decorrentes da avaliação Psicológica, embora muitas vezes apareçam desta forma. Por isso consideramos importante constarem deste manual afim de que sejam diferenciados.”

Ou seja, o PARECER é de caráter CONSULTIVO, onde o profissional emite uma opinião técnico cientifica sobre a demanda que lhe foi apresentada pelo contratante.

O Parecer NÃO é um documento decorrente de avaliação Psicológica. O psicólogo parecerista faz a análise do problema apresentado e das dúvidas levantadas pelo solicitante, e depois de leitura acurada dos autos, consulta a materiais complementares, tendo ou não se reunido com alguns ou todos membros da família para compreensão das queixas, opina a respeito das questões problemas fundamentado suas considerações em referencial teórico-científico. 

Importante também esclarecer que “a manifestação de um Parecerista técnico constitui uma produção de provas lícita, cabível e perfeitamente admissível em qualquer momento do processo, e qualquer posicionamento contrário viola os princípios constitucionais processuais da ampla defesa e do contraditório.”[10]
O PARECER Técnico não pode ser confundido com AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA, vejamos:

“A avaliação psicológica é entendida como o processo técnico-científico de coleta de dados, estudos e interpretação de informações a respeito dos fenômenos psicológicos, que são resultantes da relação do indivíduo com a sociedade, utilizando-se, para tanto, de estratégias psicológicas – métodos, técnicas e instrumentos. Os resultados das avaliações devem considerar e analisar os condicionantes históricos e sociais e seus efeitos no psiquismo, com a finalidade de servirem como instrumentos para atuar não somente sobre o indivíduo, mas na modificação desses condicionantes que operam desde a formulação da demanda até a conclusão do processo de avaliação psicológica.”[11]

“Conceito e finalidade do relatório ou laudo psicológico. O relatório ou laudo psicológico é uma apresentação descritiva acerca de situações e/ou condições psicológicas e suas determinações históricas, sociais, políticas e culturais, pesquisadas no processo de avaliação psicológica. Como todo DOCUMENTO, deve ser subsidiado em dados colhidos e analisados, à luz de um instrumental técnico (entrevistas, dinâmicas, testes psicológicos, observação, exame psíquico, intervenção verbal), consubstanciado em referencial técnico-filosófico e científico adotado pelo psicólogo. A finalidade do relatório psicológico será a de apresentar os procedimentos e conclusões gerados pelo processo da avaliação psicológica, relatando sobre o encaminhamento, as intervenções, o diagnóstico, o prognóstico e evolução do caso, orientação e sugestão de projeto terapêutico, bem como, caso necessário, solicitação de acompanhamento psicológico, limitando-se a fornecer somente as informações necessárias relacionadas à demanda, solicitação ou petição.”

“As considerações geradas pelo processo de avaliação psicológica devem transmitir ao solicitante a análise da demanda em sua complexidade e do processo de avaliação psicológica como um todo.” (Grifos não originais)

O Conselho Regional de Psicologia (CRP 13 PB)[12] diz em nota técnica sobre Avaliação Psicológica:

 “A avaliação psicológica é compreendida como um amplo processo de investigação, no qual se conhece o avaliado e sua demanda, com o intuito de programar a tomada de decisão mais apropriada do psicólogo.”

A Professora Rosane Neves da Silva, da Disciplina de Ética Profissional do Instituto de Psicologia Universidade Federal do Rio Grande do Sul[13], ensina que:

“A avaliação psicológica é um procedimento que visa avaliar, através de instrumentos previamente validados para a determinada função, os diversos processos psicológicos que compõe o indivíduo, sendo o psicólogo o único profissional habilitado por lei para exercer esta função. A avaliação e descrição da realidade psicológica de alguém fornece ao psicólogo um conjunto de informações, as quais este deve saber interpretar, selecionar e sobretudo transmitir e devolver. Esta responsabilidade traz consigo uma série de considerações éticas que visam não somente a imparcialidade do processo em si, mas principalmente a humanização deste, tendo como foco, em última instância a preservação da integridade do sujeito avaliado. Partindo deste princípio muitas questões vem à tona, como a influência do diagnóstico no contexto social do avaliado, o posicionamento do psicólogo em relação à avaliação. O psicólogo deve ter consciência da influência que um diagnóstico pode trazer para a realidade do avaliado... O psicólogo deve ter consciência da influência que um diagnóstico pode trazer para a realidade do avaliado.

O posicionamento do psicólogo em relação à realidade do paciente é outro ponto que deve ser levado em consideração ao realizar a avaliação, sendo que o curso de uma entrevista, por exemplo, é bastante influenciado por variáveis pessoais como sexo, raça, situação sociocultural entre outras. A atenção do psicólogo nestas situações em relação a estas variáveis é de extrema importância, apropriando-se das influências que estas causam ao avaliado sem no entanto abandonar a imparcialidade que a avaliação psicológica existe para comprovar sua validade.” (Grifos não originais)

Por todo o exposto, antes de fazer uma denúncia no Conselho Federal de Psicologia cabe ao denunciante analisar as atribuições do profissional em cada área da psicologia no sentido de avaliar se sua queixa é procedente ou se é mero descontentamento com o resultado esperado.

Vale relembrar que ao psicólogo jurídico não cabe tratar terapeuticamente das partes e que Parecer Técnico não é um documento decorrente de avaliação psicológica e sim da análise processual, portanto, dispensa a entrevista quer com requerente quer com requerido/a. Nessa esteira é inútil recorrer ao CRP para reclamar que a psicóloga parecerista emitiu um parecer sem nunca ter entrevistado demandante ou demandado/a, ou não ter tratado/promovido saúde emocional dos envolvidos sendo eles adultos ou menores de idade, porque essa é função do psicólogo clínico.









[1] SILVA. Evandro Luiz. Perícias Psicológicas nas Varas de Família: Um recorte da Psicologia Jurídica. São Paulo, Ed. Equilíbrio, 2009, p. 10 – Destaquei.
[2] Idem, p. 10
[3] SILVA. Evandro Luiz. Obra citada, p.11.
[4] https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2010/07/resolucao2010_008.pdf
[5] MACIEL, S.K. Perícia Psicológica e resolução de conflitos familiares. Dissertação. (Mestrado em Psicologia). Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2002. Destaquei para enfatizar.
[6] Atribuições Profissionais do Psicólogo no Brasil Contribuição do Conselho Federal de Psicologia ao Ministério do Trabalho para integrar o catálogo brasileiro de ocupações – enviada em 17 de outubro de 1992, in: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2008/08/atr_prof_psicologo.pdf
[9] Idem.
[10] SILVA. Denise Maria Perissini. Psicóloga Clínica e Jurídica. Mestre em Ciências Humanas Interdisciplinares.

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